DESTITUÍDO
DE TÍTULO
I
Andava, como inabitualmente, à toa,
muito nem aí, a rigor, meio nem aqui, nem ali e nem lá, chutando pedrinhas na
rua e assoviando ‘The Good, The Bad and
The Ugly ‘, quando lhe vieram, inconscientemente à consciência, pensamentos
sobre uma espécie de tratado: Do título das histórias ou da história dos
títulos.
Por que será que estava com
pensamentos tão esquisitos, psicodélicos? Não havia tomado (ou sequer pensado
em) alucinógeno algum. Teria aquele livro alguma substância oculta nas
intralinhas ou nas entrepáginas? Em nome da Rosa!! O que estaria acontecendo
com ela, com seu ser? Por que lhe estavam vindo aquelas perguntas? De onde vinham?
De quem vinham? Para quê vinham?
II
Primeiramente vieram “As ficções da
realidade”. Pensou nas fricções da sua realidade e lhe veio uma crudelíssima
dúvida: não seriam a[lguma]s realidades uma verdadeira ficção?
Como um trem sem freio ladeira
abaixo, aqueles pensamentos estranhos continuaram...
E se naquela esquina (e esquinas são
sempre perigosas, misteriosas...) aparecesse um “Verde lagarto amarelo”? Mas, poderia
alguma coisa ser e não ser algo ao mesmo tempo? Há quem parta pra guerra santa
sustentando que não. Contradições! Camaleões me mordam!
Mas, aquilo que estava vendo nas mãos
daquela artista de rua era mesmo “Apenas um saxofone”? Ou era uma miragem que
lhe iludia a ótica, tal qual um deserto num oásis?
“Antes do baile verde” o que havia? Ouve?
Poderia um baile ter cor? Talvez, sim, pois, não havia “A cor do som”?!
“Eu era mudo e só”. Da solidão
decorria o ser mudo ou o ser mudo decorreria da solidão? Ou seria uma relação
trialética? Ser ou estar? Ou star-se sendo? Ou ser estando-se? Eis algumas das
questões...
E essa história de que em conchas de
ostras felizes nunca estarão presentes “As pérolas”?
Pra que fazer a apologia da
infelicidade, se no “Herbarium” cabem tantas coisas outras? Pra que cultivar só
pranto, se se pode também preferir plantar sorrisos (preferencialmente
sinceros)? Basta plantar pra colher ou é inevitavelmente preciso regar o plantio com pranto?
E a tal “Pomba”!? De cobiçado símbolo
sacro foi materializada em praga indesejável! Como pode isso? Como, isso pode?
Nada escapa à história da ressignificação? Ou da ressignificação das histórias?
Qual a diferença entre uma pessoa “Enamorada
ou uma história de amor”? Onde começa uma e onde não acaba a outra? O que vem
primeiro? Uma existe sem a outra?
No “Seminário dos ratos” há espaço
para gatas? Nele é relativo ou relativizado o oitavo dos mandamentos?
Conseguirá a sacra madre manter
aquela face monalísica ao ouvir “A confissão de Leontina”? Que dirá ela? Que
dirá ela...! Ela é quem?
Por que na celebração da “Missa do
galo” ele não se faz presente? Nela quem canta de?
Por que “A estrutura da bolha de
sabão” é tão ímpar, tão diferente e, ao mesmo tempo, tão indiferente? (Tantos
tão!) Às vezes passa tão longe; às vezes, tão perto; às vezes ela atropela a
gente e se esvai, sem deixar marcas.
Por que são sempre contadas na
perspectiva do caçador as histórias sobre “A caçada”? Que história é essa de
ser sempre a mesma história, a história da mesmice?
Quanta ironia haveria na realização,
por cigarras, de um musical denominado “As formigas” e cujo estribilho proverbiasse:
‘... vai ter com a formiga, preguiçoso...’?
Estaria a lua com icterícia quando propicia
um “Noturno amarelo”? Ou seria o reflexo do seu “A bolsa amarela”?
III
O que explicaria aquelas palavras
impressas gerarem, em sua mente, palavras im_pensadas, que não podiam ser
dispensadas nem despensadas?
Como poderiam afirmações exclamativas
suscitarem, no âmago amalgamado do seu ser, perguntas pós-existenciais tão
incômodas? E tão bestas!
Preguntas, preguntas, preguntas.
Perguntas? Tu? Perguntar é preciso. Saber perguntar é uma arte (não vá fazer
arte!). Por_que perguntar é perigoso. ! ?
Mas, tem pergunta que não se faz.
Precisa ser feita. Refeita. Quando não [,] desfeita. Mas, tem resposta que não
se dá. Faz-se de difícil. Como breu, desliza... Neruda que não o diga!
IV
Como pode uma coisa puxar a outra?
Como pode... uma coisa empurrar à outra? Como pode... uma coisa coisar,
descoisar, encoisar ou recoisar outras? Quem pensa os próprios pensamentos? Quem
pensa os pensamentos impróprios? Quem pensa pensamentos próprios? Quem faz a
memória (se) esquecer de (se) lembrar das coisas desagradáveis, quando se quer
exatamente o inverso invertido, côncavo convexo?
Com tantas histórias em mente, com
tantos personagens em cena, divagou e vagou ainda mais pelo que ainda sobrava
de seu caótico mundo, pelo seu imaginário real castelo de letras. De repente
sentiu “A presença” de alguém que lhe colocara “A mão no ombro” e lhe dissera:
não esqueça da “Biografia”!
De que, de qual biografia falava
aquela terceira pessoa? Do eu próprio, do próprio eu ou de m’eus outros z’eus?
Valhei-me, São Fernando Pissoa!
V
Ao ler “Biografia” foi remetida à
autobiografia.
Sentada sob uma árvore (num banco
feito de árvore ou numa árvore feita de banco), ficou a saborear um caldo de
cana, ao som de caminhões que perambulavam pela rodovia, (sem) saber-se-ia donde
pra onde. Somente quando um vira-lata deu-lhe um latido foi que ela se deu
conta de que já fazia um bom tempo que ela estava fitando e refletindo sobre o
epitáfio pré-datado gravado em seu vermelho embornal: “Ajusto-me a mim, não ao
mundo.” Até que ponto isso refletia a ou na sua (auto)biografia?
Só então percebeu, com uma satisfação
pesarosa, que concluíra a leitura de “Melhores contos” de Lygia Fagundes
Telles.
Quanto à “Biografia”? Poderia ser tão
somente um mero detalhe. Ou não.
Quanto à autobiografia? Freud,
provavelmente, não, mas, Heráclito, esse, sim, explica! E como!
VI
Só então percebera que, à Isadora, ainda
que em pensamento, estava poemando, ou melhor, poemando-se. Fricções da
realidade...
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