Ela estava cansada, desacorçoada,
desiludida, enfim, desacreditada na humanidade da humanidade.
Estava vindo numa tirinha
infinita de vários balões. Considerava, com certeza, que fora ludibriada em
várias ocasiões nos últimos segundos-luz.
Foi o causo da teletela, foi o causo do esquentadô, foi o
causo do sentadô, foi o causo das doações de móveis, foi o causo do putanec, foi
o causo do comunicadô, foi o causo de sê credô, foi o causo, foi o causo, foi o
causo...
Eram tantos os causos que ela já estava sendo causa de piadas
questionáveis de causos de pescadô.
Por essas e outras razões...
Estava fixada na primeira parte
do Russo: “... a humanidade é desumana...” e ponto. Não temos nenhuma chance e
acabô.
Naquele dia estava ainda mais pra
baixo, ainda mais cansada, ainda mais desacorçoada, ainda mais desiludida,
ainda mais desacreditada...
Ainda mais que...
Pra ajudar, perdera uns cruzeiros
que acabara de sacar no banco. A onça pintada, que há muito está em processo de
extinção na natureza, acabara de, literalmente, sumir do bolso de sua bolsa. Ou
das calças? vai saber!
Procurou, procurou e não
encontrou. Perguntou na segurança. Perguntou na portaria. Perguntou pros
cachorros. Perguntou pros pais, pras mães, pras filhas... e... nada! Ninguém
sabe, ninguém viu!
“Até parece! Quem, em plena crise
financeira mundial, iria devolver uma onça pintada?” Disse um meliante que a
acompanhava.
Uma onça não dava pra muita
coisa, mas dava pra fazer várias fitas: dois potes de sorvete sabor presente de
grego; uma pizza daquelas polegudas; um rodízio em um restaurante tipo
japonês...
Se a posse de uma onça não a fazia
plenamente feliz, a sua perda, naquele momento, fez com que ela ficasse
absolutamente infeliz.
Tinha ou não razão de estar como
estava? Agora estava mais que certa! É isso mesmo: “... a humanidade é
desumana...” e ponto. Não temos nenhuma chance e acabô.
Já estava fazendo um post hobbesiano no Orkut (a Rodoviária
de Tupã é o único ponto da galáxia onde, em pleno 2016, oferece-se serviço de
orkutagem), quando alguém a procurou para devolver a onça pintada, ou melhor, a
onça perdida. Ou mais melhor, ainda: a onça agora achada e devolvida ao
aprisco!
Lembrou-se do Russo: “... a
humanidade é desumana...” “... mas, ainda temos chance...” Depois do ocorrido,
com certeza temos – deblaterou pra si mesma.
Será que temos, mesmo? Dizia uma
voz no seu escutadô direito.
Claro que temos! Dizia uma voz no
seu escutadô esquerdo.
Esse fato é só uma exceção que só
confirma a regra, dizia a voz no escutadô direito.
Mas, se a regra tem exceção, é
sinal de que a tal regra, se é que uma regra seria, não é absoluta - dizia a
voz no seu escutadô esquerdo.
Como fizera um treinamento,
conseguiu lidar razoavelmente bem com essas vozes, que ficaram a lhe perturbar
por dias seguidos. Era a dialética do vai-não vai; do é-não é; do ser-estar; do
não está-mas pode ser. Será?
A onça, minutos após ter sido
recapturada, foi-se, esvaiu-se, nada reflexivamente, sumiu-se. Tornou-se uma
ex-sua-onça.
Porém, semanas após, umas
vozezinhas provocadeiras continuam a lhe instigar:
Por que aquela pessoa
desconhecida lhe devolvera a onça?
Por que a personagem principal
deste rabisco, que perdera a onça, pensava que a humanidade era naturalmente desumana?
De onde vinha essa ideia? Qual era o seu fundamento? Fundamento havia?
E quanto àquelas pessoas que
pensavam o inverso, isto é, que a humanidade é inerentemente humana?
Entre Rousseau e Hobbes, ela
preferiu ficar com Russo recontextualizado: '... a humanidade está
desumana, mas ainda temos chance...'
Humanidade talvez não seja um
ser, mas, sim, um estado, que ora pode estar, que ora pode não ser. Essencialmente
sem essência.
Mas, o que é humanestar? O que é
humanoser? Um eterno humanescer?
Nenhum comentário:
Postar um comentário