I
Desde aquele momento fatídico, quando era uma
neonata-humana-recém-nascida-indefesa e não lhe restara outra opçalternativa,
exceto deblaterar, a plenos pulmões, “GRUPO DE OITO, GRUPO DE OITO, GRUPO DE
OITO”, a sua vida mudou muito. Muitas pontes passaram por cima das suas águas.
II
Naquele momento, inesquecível, se não traumático,
o pai fora mandado, com colete de contenção, a um hospício de segurança máxima
nível hiperultramáximo. Foi submetido a um eficaz e ininterrupto tratamento pós-humanizado
com uma tropa de choque de elite da velha e boa psiquiatria. Recebia, várias
vezes ao dia, todos os dias, choques altamente chocantes nas partes mais
sensíveis do corpo, para, nele, pai excessiva e inconvenientemente sensível,
despertar novas sensibilidades - e suprimir algumas das antigas. Pela laudavaliação da equipe
intermultitransdisciplinar de renomados psiquiatras, ele, se saísse, não sairia
tão cedo do hospicial. Era um caso gravíssimo, tão grave que se tornara o mais
cobiçado e disputado objeto de pesquisa na instituição. Diagprognósticos...
III
Agora ela estava grandona. Vários anos de unidade
de psicoterapia intensiva (e que seus colegas e professores psiquiátricos não
saibam disso, nunca!). Ainda tinha uns remorsozinhos hipócritas, afinal, ao
grupoitar seu próprio pai, acabou de ‘desestruturar’ sua família, que, desde o
início, não era funcional, mas era, aparentemente, uma mal dita “família
estruturada”. Vencera os ultragravíssimos traumas da velha infância. Era uma
nova pessoa. Vida estabilizada. Cheia de planos, tantos planos, que, para
realizá-los seria necessária uma imortal vida eterna ou várias longas vidas.
IV
Estava terminando, com muito louvor, a graduação
em Psiquiatria. Criara um santo próprio: São Simão Bacamarte, com direito a
altar, preces e demais e ritos religiosos. Estava em preparativos para fazer
uma Pós, no exterior!, em pós-psiquiatria. Já estava previamente aprovada. Aguardava,
ansiosamente, o envelope com a documentação enviado pela University, que
deveria chegar nesse dia, ainda pela manhã. Prazos...
V
A campainha toca. Ela, saltitando, vai, mesmo
estando não macpenteada, atender o demandante. Vai imaginando aquele envelope
exalando cheiro de vitória, cheio de selos e carimbos do exterior. Nunca, como
nesse momento, amara tanto os detestáveis entregadores. Nunca um desses
intragáveis foi tão amavelmente esperado. Talvez até o convidasse para tomar um
café e para ouvir a exitosa história dela. Talvez ele pudesse contar essa
história nas periferias para servir de exemplo para aqueles vulneráveis.
Talvezez...
VI
Estava vivendo seu momento "Telegrama": queria beijabraçar até o etê da panificadoria. Com o costumeiro espontâneo sorriso e com uma voz entusiasticamente
macia, ambos previamente ensaiados durante o curto trajeto, ela abre a porta e
diz: “Benvindo! Você era ansiosamente aguardado! Vamos tomar um café e
conversar um pouco! Mas, antes, me dá um abraço forte, por favor, por favor,
por favor!”
O interlocutor, com um amável sorriso, dá-lhe,
entusiasticamente, um demorado e apertado abraço e diz: “Meu bebê iíndu! Como
voxê qesceu! Que oigúio di voxê, minha qianxa! Qantu tempu, meu bebê! Vein atxi
cum papá, vein! Quéio moidê voxê, minha gaxinha dxi papá! Qanta xaudade!
FIM
P.S.
Ela, coerentemente com seus princípios religiosos,
internou-se, de forma voluntária, no mais renomado hospicial psiquitátrico de
segurança máxima, onde vive num quarto isolado e sem contato algum com pessoa
alguma. Recebe, diariamente, várias doses de choques de alta chocagem e drogas
fortes. Conseguiu da Corte Internacional de Direitos Humanos o reconhecimento
do seu último desejo: o direito de ser mantida em tratamento até que ela morra
e também o direito de que sua história não seja escrita, mesmo após sua morte.
Os psiquiatras não sabem explicar o que ocorreu
com ela. Acreditam que ela tenha problemas cognitivos associados a problemas de
linguagem. Um integrante da equipe transintermultidisciplinar de psiquiatras,
que não quer ter sua identidade revelada, acredita que ela tenha sido vítima de
abuso sexual na primeira infância ou tenha um problema de fixação anoral, mas
ele desacredita que Freud explica. Outro psiquiatra crê, cientificamente, que
se trata de um problema decorrente de anos a fio de adição, afinal, ela é
jovem, mora sozinha, é universitária e é de “família desestruturada”. Cientificamente, crê,
ainda, que ela pode, quando estava sendo gestada, ter sido vítima de tentativa
aborto ou, então, ter praticado um recentemente.
Ela passa o dia todo, até quando dormindo está, batendo
a cabeça na parede e sussurando palavras desconhecidas, desconexas, sem sentido
e inadequadas para a sua idade, para o seu léxico e para o seu nível de
desenvolvimento: “Meu bebê iíndu! Como voxê qesceu! Que oigúio di voxê, minha
qianxa! Qantu tempu, meu bebê! Vein atxi cum papá, vein! Quéio moidê voxê,
minha gaxinha dxi papá! Qanta xaudade!”
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