ON THE PEPA –
Onde está Pepa?
Era uma gata aparentemente feliz, realizada. Tinha a promessa de uma
carreira promissora, tinha tudo para dar certo na vida: um excelente lar, uma excelente
educação.
Estava estudando informática, inglês, mandarim e humanês.
Provavelmente seria gatora propaganda de produtos de primeira linha para
gatos-felinos de classe AAA. Pet shop é o que há, diz o profissional trainer.
Mas, num bellum dia, sem mais, talvez nem menos, sem sequer um
bilhete colado na geladeira, na lixeira ou na porta do banheiro deixar, ela
some-se, se consome.
Passado um dia: tudo bem... gato é assim mesmo, é errante
[diferentemente de humanoides, que vivem a errar]. Ela volta. Ela voltará,
quando a fome bater. Alguns faziam até analogia com a parábola do filho
pródigo.
Mas, passados vários dias, ela não voltou. Tim Maia explicaria? ‘... Ela
partiu e nunca mais voltou...’ Teria ido à Exapit pensando que seria uma
exposição da Pitty (ela gostava muito de ‘Máscara’ e
de ‘Sete_vidas’)? Teria ido embora com a trupe do circo?
Ligaram nas delegacias de pulícia, no conselho tutelante, na roda dos
expostos, nos hospitais, inclusive psiquiátricos. Nada!
Ao ficar sabendo do fato, uma parte da vizinhança – tipo aquela
vizinhança mostrada em ‘Eduardo mãos de tesoura’ – deblateram, cada um soltando
uma:
- Ah!, eu sempre desconfiei daquela gata! algo nela não me deixava
enganar!
- Aquela gata não me cheirava bem! e não era pelo que ela
fazia, mas pelo que ela não fazia!
- O que tem que ser já nasce!
- Gato? gato é do mal, é do satanais... minha bisa sempre
dizia!
- Aquele olhar dela não me enganava!
- E o jeito de ela mexer as orelhas!? O corpo fala!!! E
como fala! Eu sabia! Eu sempre soube!
- Até o jeitão de andar dela já denunciava! ela andava
tipo maloqueira!
- Ah!, ela tinha problemas bio-psiqo-ANTI-social! Tinha!
Isso tinha!
- Era bipolar: ora dormia, ora acordava! Era aprendiz
nata de psiqopata! Tinha esquisitofrenia!
- Também... pudera... não tinha religião!
- Não dava bom dia aos vizinhos!
- Não respeitava as placas de proibido animais!
- Não tinha carteira assinada!
- Não gostava de samba!
Alguém, habilidoso em patrulhar a vida alheia, sugeriu um
vasculho na vida pregressa digital da meliante. Tirequeda!
Dias antes de sumir ela tinha adicionado, no orqut, um cachorro
que atendia pela alcunha Cadelo.
Dias antes ela havia assistido ‘Diários de motocicleta’ e
‘Sem destino’.
Dias atrás acabara de ler ‘Pé na estrada’.
As Rotativas hiperativas ambulantes retomam os
impropérios:
- Tá explicado!
- Não disse!
- Pudera!
- São as más companhias!
- Diga-me com quem não anda que te digo quem não é!
- É esse tal de iorqute!
- Bom... eu sempre desconfiei daquela gata, antes mesmo
de ela nascer!
- Eu também! Não falei nada pra não chatear ninguém,
mas...
Dona Quietina, a menos insensata das rotativas
hiperativas ambulantes, ajeitou a dentadura e disse:
- Exceto que ela tenhésse tendência suicida (Durkheim
explica) ou tenha sido assassinada, ela está viva. Afinal, gato tem sete vidas.
Vamos aguardar... o que tiver que ser ... pode ser que seja, pode ser que será.
Será? Rousseau tinha razão, ao menos em parte: os gatos nascem gatos, mas os
humanos os estragam, humanizando-os!
O agente da lei vibrou com a primeira parte informação,
ainda que discordasse veementemente da parte segunda e da parte dizente:
- Então tenho chances de prendê-la para que o Estado faça
a reeducação dela e o caso sirva de exemplo! Poderei aparecer no noticiário: “Pensa
no seguinte..., corta pra mim...”
Larilálá, que ainda não havia sito tornada [aquele tipo
de] gente grande, lembrou do finado Russo, o Renato: mundo estranho com gentes
esquisitas, esquisitíssimas, esquisitérrimas! Esquisitas na acepção brasileira
do termo! Bizarras!
Não... não era etnocentrismo... era realismo
hipersurreal. Ficou preocupada: Será que um dia necessariamente terei que ser
assim? Deus me livre de mim assim!
Preferiu ficar com Dona Quietina: ‘Vamos aguardar... o
que tiver que ser ... pode ser que seja, pode ser que será. Será?’
E continuou a pintar o cartaz. Em vez do habitual ‘procura-se
um gato...’ escreveu apenas: Pepa, volte! Volte, Pepa!
Pensando bem, se Pepa estivesse aqui jogaria terra sobre
todas essas rotativas, vivas. Afinal, tolerância tem limites, bem de_limitados.
No rádio o locutor anuncia a próxima música na
programação da éfeême bocasmexeriqueiras: ‘A dois passos do paraíso’. E a
puliça está fazendo, neste momento, uma Blitz!
Será que Pepita
estava com receio de ser de/di_lapidada?
ON THE PEPA –
Onde está Pepa?
‘On the road’
,
‘On the road’
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