I
O cara tava fazendo
a dele, na moral, há alguns passos de distância:
“Com licença, com respeito, sou flanelinha,
morador de rua, desempregado, ninguém quer que eu passe um pano nos carro.
Então, se o irmão puder contribuir com uma moeda, será de grande ajuda.”
Afasta-se e aguarda. Recebe o troco e faz uma
saudação à oriental: “Muito agradecido. Deus lhe retribua em dobro. Hoje eu to
assim, mas espero sair dessa em breve. Fica em paz.”
II
O cara afasta-se e
vai em direção a outros chegantes, passantes ou estacionantes. O mesmo ritual.
“Com licença...”
De cara fechada... Uns desviam o olhar, na
evasiva. Outras estendem o braço, na afastativa. Outros fecham os vidros, na
defensiva. Outras preparam a guarda, na ofensiva.
Algumas dizem “nada” terem. Algumas dizem
“depois”. Outros, “talvez”. Algoutros dão balas, chicletes ou mesmo uns troco.
Algumas dizem “bom dia”, “boa sorte”, “Deus lhe
abençoe”; aproveitam até para folhetar: “Jesus está às portas”.
Uns ou outras, às vezes, esboçam também um
rascunho de sorriso, que podem ir de 50 megatons de cinza a 500 amarelotons
mais escuros.
“Muito agradecido. Deus lhe...”. E parte pra
próxima...
III
Um tipo daqueles “não
dirija palavras a minha excelência”, com cara de ojeriza-desespero, percebe que será
abordado. Fecha a cara e aperta o passo em direção ao seu carro.
O cara também aperta o passo, com um gérmen de
sorriso. Mas, não deu tempo para scriptar: “Com licença, com respeito, ...”
O tipo correu. Deu as costas ao interlocutor. Abriu,
entrou e bateu, apressada e fortemente a porta do carro. Porta fechada e vidro
filmado: proteção garantida! Só não percebeu que deixara as chaves do lado de
fora, na fechadura.
O cara, percebendo o esquecimento, retira as
chaves da fechadura e tenta entregá-las, pelo vidro filmado, ao tipo.
Abrir ou não abrir...? Instantes de dúvidas que
duraram uma eternidade. Não havia alternativa plausível. Abriu, pegou as chaves
rapidamente e bateu a porta, com força e pressa. Afinal, ... vai que...
O cara, na moral, sai na caminhada para abordar
outra pessoa. Afinal, ... vai que... Quem sabe... “Com licença, com todo o respeito,
estou flanelinha, sou morador de rua, sou desempregado...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário