I
Seis da
matina.
O telefone,
ou melhor, o despertador toca.
A mãe, não
sem razão, mal humorada, acorda.
II
Foi dormir
tarde, atualizando o currículo vitae, conforme recomendado pela TV.
Afinal, há
meses procura emprego e não acha.
Só podia
ser ela. Ou só poderia ser o currículo. Preferiu este àquela.
Pois, disse
o especialista: emprego tem; o que falta é gente qualificada.
Mas, ela
tem três graduações, sete pós graduações e um tanto de cursos que já perdeu as
contas. O terço também.
III
Acorda e
acorda a filha de menos de meia década de vida.
Quanto ao
acordar, elas nunca entram em acordo. Nunca acordam, nem com um acórdão.
Ainda menos
em tempos frios ou chuvosos.
Como hoje.
IV
A mãe, já
há muito tempo sem paciência sequer consigo mesma...
...já chega
na violência simbolicamenterreal.
Já não mais
chama a sua imagemsemelhante: arranca o cobertor e chuta a cama.
E vai pra
cozinha fazer o café. Se ainda tiver.
V
A criança
acorda.
Já não mais
assusta.
Só, só
pensa:
Por que
isso tudo?
Por que
tudo isso?
Por que
sempre isso?
Por que é
assim?
Tem que
assim ser?
Perguntas
que a sua super-heroína, sua mãe...
... não
sabe ou insiste em não lhe responder de forma sincera, ainda que relativa.
VI
Entram no
carro, que prestes está a pela financiadora ser retomado.
A mãe
acende o cigarro e, por uns segundos, ascende um pouco do chão do selfinferno.
Arrepende-se
do que faz com a filha.
Faz-lhe um
afago na cabeça.
VIII
A filha
percebe a deixa e dispara um de 38:
Mãe, por
que eu tenho que ir pra escola?
Por que
sim.
Mas, pra
que eu preciso ir pra escola?
Pra ter um
bom futuro, um bom emprego, ser alguém na vida. Pra ter sucesso.
XI
A filha
pense, repensa... [ dizer ou não dizer? Eizaquestão!}
Pra ter um
bom emprego, pra ter sucesso, tipo quiném
a mamãe?
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