Diálogo com placas
Não
era nem por questão de ser ou não ser aceito na sociedade ou em determinados
grupos. A rigor, queria distância (não que desejasse o mal) da ampla maioria
delas. Vivia um eterno e imortal momento Groucho Marx: “não entro em clubes que
me aceitem como sócio”.
Na
real, é que há horas que simplesmente não dá, enche a mochila, ficar dando
depoimento pr@s deleguinhas e capapretinh@s da vida, ou melhor, a rádio patrulha
campusina ou para o “zépovinho” ou,
para ficar mais cream de la cream, joseph litle people. Às sempres, falta à
essa escória, parcimônia. Certamente não foram ao Canadá. Nem à França. Um café
com leite, mer[e]ci. É... estava, há muito, cansado daqueles interrogatórios
habituais: por que você isso...? para que você aquilo...? como você...
aquiloutro...? você é...? você já...? Paciência tem limite. E curto.
Complicado
mais ainda era explicar o inexplicável para pessoas que não queriam entender.
Por exemplo, por que se está olhando fixamente para algo que para as pessoas em
geral é algo que sequer status de
algo tem, portanto, não passível de ser apreciado, menos ainda, de ser objeto
de sorrisos.
E
esse era um dos principais nós. Por mais que tentava disfarçar, não parecia
conseguir. A impressão era de que as pessoas sempre ganhavam o movimento ou
estariam, certamente, prestes a descobrir que, à “Janjão, o fortão, e Pinote, o
fracote”, estavam seus músculos lisos cerebrais a sorrir, e que fazia um
tremendo esforço para não deixar a boca (ou o rosto) sorrir. Afinal, não é
muito comum, nem considerado sequer um pouco normal, sorrir para desconhecidos.
Não conversar nem sorrir pra estranh@s, já dizia mamãe. Se estranh@s precisarem
de ajuda, chame a polícia. Ou a ambulância. Ou o rabecão.
Na
biblioteca da FFC, há anos, noiava com aquela placa “Guarda Volume”. Sempre
imaginava uma pessoa, uma pessoa gigantesca, cujo nome seria “Volume”, e a
função, “Guarda”, e aquela placa como se fosse um des_proporcional crachá:
“Guarda Volume”. E a molecada gritando, para irritá-lo: “guarda-volume cabeça
de vagalume, cérebro de estrume”.
Xá pra lá
essa história. Protrafita.
Outra
fita que o fazia rir [de raiva] eram aquel@s serv@s públic@s (ou melhor,
estatais), que colavam aquelas plaquinhas para intimidar os públicos: ‘desacatar
funcionário público no exercício de suas funções, blablabla, pena: cana!’
Bandotári@s! Por que não esfregavam essa plaquinha na fuça dos chefes de
executivos e nos salafrários do legislativo, que insistiam em desdenhar e
desacatar @s funças estatais. Bando de covardes, só eram fortes com os fracos.
Gargalhava consigo mesmo: tem mais é qui sifu dê. Maginô se @s funças maginassem
pensação?
Outra
treta que tinha: aquelas placas que gritavam: “proibida a entrada de pessoas
estranhas”. Cada cara esquisit@ que entrava nos reservados que, à “O alienista”,
ficava a pensar: será que, ali, estranh@s eram tod@s aquel@s que não eram
esquisit@s que nem el@s? Afinal, “de perto, ninguém é normal”.
Grilava
também com aquelas placas de ‘achados e perdidos’. Era mó treta. Ora, hora (et labora): o critério indispensável
para que algo seja ‘achado’ é que esse algo ‘achado’ tenha, antes mesmo de ter
sido ‘achado’, ‘perdido’. Na realidade, essas caixas só deveriam ser chamadas
de ‘achados’, pois, uma vez achado, algo já não mais éstá ‘perdido’, exceto que
não devolvido ou não encontrado por quem o perdeu, mas, de qualquer forma, é um
perdido-achado-não-entregue. Tentara dialogar com a administradora da caixa,
mas não deu liga. Ela disse que tais questionamentos não eram normais, que ou
precisa de tratamento psiquiátrico, psicológico, mental, espiritual, religioso,
moral.
Ficou
tremendamente engrilado. Será mesmo que não será normal? Era normal não ser
normal? Era incomum a anormalidade? Será que seria só ele que tinha esses
pensamentozinhos incognoscíveis-não-cognoscentes? E se as pessoas soubessem que
ele ria por dentro e pensava coisas esquisitas? E se as pessoas soubessem que
ele mesmo tinha dúvidas sobre a_normalidade ou não de ser inormal.
Pensou
em procurar tratamento, mas, e se começasse a dar risadas in_voluntárias e
in_controláveis diante d@s psialguma-coisa? Aí o treco desandaria. Seria camisa-de-força
na certa, no ato. Passou a ter medo de si mesmo. Afinal, era um pato-lógico. Um
risco, porém, social. Será que o Morceguinho tinha ganhado essa fita e,
espontaneamente, dera um perdido?
Foi
na fotoreprodutora. Embora não houvesse uma placa de achados e perdidos, lá
sempre havia achados e perdidos. Mais estes do que aqueles. Ao menos não tinha
aquela placa proibindo a entrada de gente estranha. Afinal, se ela existisse e
fosse respeitada rigorosamente, não haveria nem clientes, nem dono, menos
ainda, funcionári@s.
Esperou
paciente e ordeiramente na fila, até que, finalmente chegou sua vez. Foi
atendido por uma pessoa que, se não era estranha, esquisita, também não era
normal aquelas coisas, não. Não obstantes os trejeitos ou hábitos aristocratas,
ela... sabe-se lá. De errado com ela algo havia. E, se não havia, de haver,
prestemente, haveria.
Enquanto
a atendente fazia a busca da “Introdução à crítica da economia política”, a
tipo começa a viajar na transação e, em determinado momento, os músculos do
encéfalo falaram mais alto que os rostais. Aí, não teve jeito de disfarçar. A
mina, cubando o teto, defronte ao computador, sem nada que, em condições
normais, justificasse e legitimasse sua risada, in_voluntária, teve de se
explicar pro esxtranho do outro lado do balcão, se não, poderia pegar mal. Ela
mal sabia que, naquele caso, seria nor-mal. Se ela soubesse a quem atendia,
chamaria a puliça.
Mas,
constrangilda, indica a placa pendurada no teto, toda suja (a placa!) de algo
que algum dia foi toner (que não é o Beloto): “Respeite a Fila”. Mó pira a
mina. Começou com umas idéias tão noiadas que não só devolveu ao estranho a
sensação de normal, como o fez temê-la.
Meu,
as fitas dele, ao menos num plano lógico-formal, tinham algum ou todo sentido.
Premissa maior, premissa menor, silogismo. Isto X, aquilo Y, logo, XYZ. Mas,
saca a pira da mina. Ela viajava na transação tipo: “Respeite a Vila”. Mano,
isso era TDAH, TDHA, TGD, AVE, AVC e mais um pouco, tudo junto. Não tinha como
ter algo a ver. F é F, V é V. Nem homófona, nem parecigráfica. Se a treta fosse
entre, por exemplo, respeite a bila e
ela lesse respeite a vila, ainda
iria, mas, aquela fita, já passava dos limites. Afinal, loucura também tem seus
limites. Ou indeveria ter. Mesmo porque, contagiante pode ser.
E
foi. As idéias trocadas foram proliferadas-proliferantes. Quantos formatos e
significados aquilo poderia tomar, bastando apenas pequenas alterações de
grandes (re)interpretações:
Respeite
a Fila, diz a placa. Há placa, diz: Respeite a Fila. Respeite-a, Fila. Respeite
a fila. Poderia respeitar só a fila, e não as pessoas que estão-são a fila.
Respeite, há fila. Respeito é bom e a fila gosta. Respeite, afhhh!, [que] fila!
Dia de entrega de trabalho, mó pressa, mó neura, mó fila. Uma funça só, máquina
quebrada, papel enroscado, toner beloto acabado. Do rabo da bicha para a proa,
pergunta-se a cada pessoa: seu nome é Fila? e, diante das negativas, ignora-se
a fila e fura-se a fila, afinal, diz a placa: “Respeite a Fila”. Como a Fila
não está presente, não há ninguém a ser respeitad@. Uma cachorra, toda
cachorrona, dorme, bem no leito carroçável da fila. Um@ human@zinh@, ridícul@,
autocentrad@ e antropocêntric@, dá uma bica na canina e aponta para a saída. A
cadela, que é Fila, aponta para a placa e, segura, volta a dormir: “Respeite a
Fila”.
Bom,
neste momento, este que estas escreve, sem se dar conta, está na fila de um
hospital psiquiátrico. Uma “casa verde”, denominada “Casa de Orates”, mais
conhecida como “Vila de Loucos”. Há uma fila enorme. Não sabia que havia tanta
loucura numa soça aparentemente tão normal. É o último da fila. Pensa: se ficar
de costa, logo, será o primeiro da fila. Mal acabara de fazê-lo, ou melhor, de
pensá-lo, uma voz – da recepcionista – com designer de fotoreprodução, diz:
“Respeite a Vila”. Nas mãos dela, um livro: “Diálogo com placas”.
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