O
cara mó cobracriada. Malaco que só. Nunca caíra. Exceto numa fita que o próprio
mano de sangue deu a letra. E por causa de um neco a mais de carne. Vê só: por
causa de mistura. Literalmente. Nesse dia foi tenso. E denso.
Tava
acostumado a levantar motinha 200 na munheca pra jogar na caçamba, pra fazer
uns trocos. Levantou o mano pela cinta e ia fazer um baixo-relevo da cara dele
na coluna de concreto quando a mãe entrou na frente. Resultado: detonou a
mãe. Traumatismo e tudo mais, enquanto
o pilantra sequer ficou com o nariz contundido. Aquilo o abalara. Quando foi
socorrer a mãe, os carrascos chegaram e nem deu esquema. Cair dentro da fava é
mó vergonha. Batê na mãe por causa de mistura, pior. E foi isso que divulgaram.
Além
de tudo, os caras aproveitaram a vaza e tentarem mandar tudo o que tinham
direito e, de brinde, “Maria da Penha”, Código do Idoso, ECA. O mais foda era
guentar um tentativa de matricídio, tentativa de latromatrocídio. Deu sorte.
Deu a volta nos coxinha. Saiu todo detonado. Um dos carrascos devia uma preza.
Era a hora de pagar. Os caras ficaram no veneno.
Deic,
Depatri, Denarc, Dise, DHPP, DDM; por tudo o que era D e não-D já havia
passado. Nem que fosse para levá um sapeca. Mas guentava firme. Nem resmungava.
Doía. Mas era menos doloroso que dar o serviço pros sanguinolentos.
A
promessa era sempre a mesma. No mesmo tom: ainda iriam pegá ele de jeito. Só
não sabia de que jeito. Nunca dava milho. Ia ficar ainda mais ligeiro. Dois no
gato, dois no pexe. Dois no padre, dois na missa.
Andaram
perguntando por ele. Um vizinho boca-de-alto-falante já havia esparramado no
beco. Tinha que ficar atento. Os corres ficariam mais difíceis. Mas, não a
ponto de a dificuldade implicar impedimento. Impedimento, só em jogo. E jogo de
pó-de-arroz, pois, com a turma, não tinha essa, não. Era jogo duro.
Era
cara no muro todo dia, a qualquer hora. A história era sempre a mesma. Tirava
de letra. Andaram rodeando a goma.
Não
gostava de contar histórias, mas, não sabia como, a história dele começou a
circular, o que deixou os cara mais pistola ainda. Tava virando um quase-mito.
O cara que não caía e, quando caiu, por guelagem, saíra pela porta da frente.
Os mikoso estavam espumando. Queriam ele de qualquer jeito.
A
bosta era que, sempre que ouvia esses comentários, vinha à mente a imagem da
mãe, toda detonada, e do irmão, pilantra, com um sorriso duplo na cara dupla.
Tava injuriado. O sono sumira. Não tava a fim de nada. Mas também não estava a
fim de ficar acordado. Nem mesmo de ficar sem fazer nada. Mas também não podia
ficar bandeirano.
Ia
rolar um samba na Barraca do Gererê. Pelo menos lá era firmeza. Podia ficar de
boa, tava em casa. O bom era que lá só ia sangue sangue-bom. E não rolava
sangue. Não sem motivo. É que não ia aqueles caras bandeirosos.
Colocou
uma camiseta, porque no Gererê era “proibido permanecer sem camisa”. Catou umas
moedas pra tomá umas da-mais-barata. “Tempos difíceis”. Mas sempre tinha um
camarada pra descer umas. Noutra ocasião, o jogo invertia. E assim ia.
Conferiu
o bolso: nenhum artigo, exceto a quadrada. Jogou uma água na cara. Um
caximirbuquê na asa pra disfarçar. O maço de T, o maçarico e a chave da goma.
A
mãe perguntou se ele tava bem. Mãe é foda. Saca as coisa. Pediu pra ele voltar
logo, a tempo de pegar a comida quente. Estava fazendo um rango especial: não
sobrava nem pro latinte. Iria esperá-lo.
No
caminho da barraca do Gererê, ficava do Bar do Pagaeu. Mas era um but
banderoso. Só vacilo. Só treta. Passava batido. Só mandava um salve pros poucos
trutos que insistiam em freqüentar aquele ambiente.
Tava
movimentado. Muita gente. Som alto. O pessoal dançando. Pra evitar qualquer
coisa, mudou de calçada. Aquilo tava cheirando tiro de 22 enferrujado. E
cadeiras aladas. “Noite das garrafadas”.
Quando
passa bem em frente, de cabeça baixa, uma tilanga atravessa a rua e começa a
falar-lhe coisas. Finge que não é com ele. Que não está escutando. Que num ta
nem aí. E olha que não é de deixar as coisa dessa maneira. A tilanga insiste.
Não
iria entrar em errada. Pelo menos naquela noite, não. Iria na Barraca do
Gererê, tomaria umas com os trutages, voltaria pra casa rangar com a véiña, que
estava a preparar o rango que mais gostava, que não sobrava nem pro latinte.
Iria esfriar a cabeça. Um pouco de paz. Esquecer. Isso era o que precisava.
Tentar esquecer aquele dia. E aquele dia também. Não aceitaria provocações. Não
até que guentasse. Ninguém é de aço. Mas ia tentar. A tilanga insistia. Foi
acompanhando e falando bosta. Muita bosta: Mas tu és feio, hein! Nem aí. Tu és
mais feio que bater em mãe! Aí fudeu. O sangue ferveu. Não. Não iria aceitar
provocações baratas. Precisava voltar pra casa. Rangar com a mãe. Era o rango
que mais gostava, que não sobrava nem pro latinte. Tu és mais feio que bater em
mãe... e por causa de mistura!!!!!!!! Aí já era! Pra ela. Oito jaquetadas no
meio da não-pensante.
Aí,
já era. Pra ele. Mó vacilo. Como não pensara naquilo! Logo ele, “malandro
considerado”! Os carrascos já estavam no esquema, a postos. Não houve
alternativas. Era os mesmo cara. A só rirem. Na hora em que já estava
grampeado, dentro da carrocinha, entendera, ao ver o desgraçado do seu irmão
confraternizando com o cabo: o desgraçado, de novo, lhe armara uma só por causa
da mistura! Bom, pelo menos dessa vez não batera na mãe.
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