sexta-feira, 1 de julho de 2016

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DESTITUÍDO DE TÍTULO

I

Andava, como inabitualmente, à toa, muito nem aí, a rigor, meio nem aqui, nem ali e nem lá, chutando pedrinhas na rua e assoviando ‘The Good, The Bad and The Ugly ‘, quando lhe vieram, inconscientemente à consciência, pensamentos sobre uma espécie de tratado: Do título das histórias ou da história dos títulos.
Por que será que estava com pensamentos tão esquisitos, psicodélicos? Não havia tomado (ou sequer pensado em) alucinógeno algum. Teria aquele livro alguma substância oculta nas intralinhas ou nas entrepáginas? Em nome da Rosa!! O que estaria acontecendo com ela, com seu ser? Por que lhe estavam vindo aquelas perguntas? De onde vinham? De quem vinham? Para quê vinham?


II

Primeiramente vieram “As ficções da realidade”. Pensou nas fricções da sua realidade e lhe veio uma crudelíssima dúvida: não seriam a[lguma]s realidades uma verdadeira ficção?
Como um trem sem freio ladeira abaixo, aqueles pensamentos estranhos continuaram...
E se naquela esquina (e esquinas são sempre perigosas, misteriosas...) aparecesse um “Verde lagarto amarelo”? Mas, poderia alguma coisa ser e não ser algo ao mesmo tempo? Há quem parta pra guerra santa sustentando que não. Contradições! Camaleões me mordam!
Mas, aquilo que estava vendo nas mãos daquela artista de rua era mesmo “Apenas um saxofone”? Ou era uma miragem que lhe iludia a ótica, tal qual um deserto num oásis?
“Antes do baile verde” o que havia? Ouve? Poderia um baile ter cor? Talvez, sim, pois, não havia “A cor do som”?!
“Eu era mudo e só”. Da solidão decorria o ser mudo ou o ser mudo decorreria da solidão? Ou seria uma relação trialética? Ser ou estar? Ou star-se sendo? Ou ser estando-se? Eis algumas das questões...
E essa história de que em conchas de ostras felizes nunca estarão presentes “As pérolas”?
Pra que fazer a apologia da infelicidade, se no “Herbarium” cabem tantas coisas outras? Pra que cultivar só pranto, se se pode também preferir plantar sorrisos (preferencialmente sinceros)? Basta plantar pra colher ou é inevitavelmente  preciso regar o plantio com pranto?
E a tal “Pomba”!? De cobiçado símbolo sacro foi materializada em praga indesejável! Como pode isso? Como, isso pode? Nada escapa à história da ressignificação? Ou da ressignificação das histórias?
Qual a diferença entre uma pessoa “Enamorada ou uma história de amor”? Onde começa uma e onde não acaba a outra? O que vem primeiro? Uma existe sem a outra?
No “Seminário dos ratos” há espaço para gatas? Nele é relativo ou relativizado o oitavo dos mandamentos?
Conseguirá a sacra madre manter aquela face monalísica ao ouvir “A confissão de Leontina”? Que dirá ela? Que dirá ela...! Ela é quem?
Por que na celebração da “Missa do galo” ele não se faz presente? Nela quem canta de?
Por que “A estrutura da bolha de sabão” é tão ímpar, tão diferente e, ao mesmo tempo, tão indiferente? (Tantos tão!) Às vezes passa tão longe; às vezes, tão perto; às vezes ela atropela a gente e se esvai, sem deixar marcas.
Por que são sempre contadas na perspectiva do caçador as histórias sobre “A caçada”? Que história é essa de ser sempre a mesma história, a história da mesmice?
Quanta ironia haveria na realização, por cigarras, de um musical denominado “As formigas” e cujo estribilho proverbiasse: ‘... vai ter com a formiga, preguiçoso...’?
Estaria a lua com icterícia quando propicia um “Noturno amarelo”? Ou seria o reflexo do seu “A bolsa amarela”?


III

O que explicaria aquelas palavras impressas gerarem, em sua mente, palavras im_pensadas, que não podiam ser dispensadas nem despensadas?
Como poderiam afirmações exclamativas suscitarem, no âmago amalgamado do seu ser, perguntas pós-existenciais tão incômodas? E tão bestas!
Preguntas, preguntas, preguntas. Perguntas? Tu? Perguntar é preciso. Saber perguntar é uma arte (não vá fazer arte!). Por_que perguntar é perigoso. ! ?
Mas, tem pergunta que não se faz. Precisa ser feita. Refeita. Quando não [,] desfeita. Mas, tem resposta que não se dá. Faz-se de difícil. Como breu, desliza... Neruda que não o diga!


IV

Como pode uma coisa puxar a outra? Como pode... uma coisa empurrar à outra? Como pode... uma coisa coisar, descoisar, encoisar ou recoisar outras? Quem pensa os próprios pensamentos? Quem pensa os pensamentos impróprios? Quem pensa pensamentos próprios? Quem faz a memória (se) esquecer de (se) lembrar das coisas desagradáveis, quando se quer exatamente o inverso invertido, côncavo convexo?
Com tantas histórias em mente, com tantos personagens em cena, divagou e vagou ainda mais pelo que ainda sobrava de seu caótico mundo, pelo seu imaginário real castelo de letras. De repente sentiu “A presença” de alguém que lhe colocara “A mão no ombro” e lhe dissera: não esqueça da “Biografia”!
De que, de qual biografia falava aquela terceira pessoa? Do eu próprio, do próprio eu ou de m’eus outros z’eus? Valhei-me, São Fernando Pissoa!


V

Ao ler “Biografia” foi remetida à autobiografia.
Sentada sob uma árvore (num banco feito de árvore ou numa árvore feita de banco), ficou a saborear um caldo de cana, ao som de caminhões que perambulavam pela rodovia, (sem) saber-se-ia donde pra onde. Somente quando um vira-lata deu-lhe um latido foi que ela se deu conta de que já fazia um bom tempo que ela estava fitando e refletindo sobre o epitáfio pré-datado gravado em seu vermelho embornal: “Ajusto-me a mim, não ao mundo.” Até que ponto isso refletia a ou na sua (auto)biografia?
Só então percebeu, com uma satisfação pesarosa, que concluíra a leitura de “Melhores contos” de Lygia Fagundes Telles.
Quanto à “Biografia”? Poderia ser tão somente um mero detalhe. Ou não.
Quanto à autobiografia? Freud, provavelmente, não, mas, Heráclito, esse, sim, explica! E como!


VI


Só então percebera que, à Isadora, ainda que em pensamento, estava poemando, ou melhor, poemando-se. Fricções da realidade...

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