quinta-feira, 16 de março de 2017

1313






gostava da coincidência do fato de que
na maioria das vezes
sempre que olhava pra ampulheta
o mostrador analógico-digital marcar
números considerados simetricamente assimétricos
tipo homófonos homógrafos
espelhados ou não
01:01
10:01
01:10
00:00
11:11
e por aí vai, se ex-vai

no entanto, havia um porém...
mesmo pensando ser materialista-para-além-do-material
e autoconsiderado livre de superstições e outros grilos
tipo Mercedes Sosa, “so lo le pido a DIos”:

QUE ELE NUNCA VEJA UM 13:13!



sábado, 11 de março de 2017

alhabein







I


Ela, etnocêntrica como (quase?) todo [o] mundo, adorava alho. Alho, para ela, era do barulho. Ficava pirada quando entrava no bloco do seu apartamento e sentia o cheiro de alho rescendendo pelos corredores. Era como se ela desse um tapa na bhaghana! Apetite a mil. Abria o apartamento e já ia laricando geral.

Etnocêntrica, como (quase?) todo [o] mundo, tinha certeza de que seus gostos ou preferências eram (ou seja, são!) universais.

Adorava, achava o máximo aquela velha máxima, bastante sensocomunzada: ‘faça aos outros aquilo que gostaria que fizessem com você’.

Aquele dia, decidira, seria o dia de ela fazer sua desforra. Faria uma comida bem temperadinha, com o cheiro daquela comida dos vizinhos do piso inferior.

Incorporou a chefa das chefas, coisô alho na frigideira e mandou ver. O cheiro subiu como um ofertório, rescendendo pelos corredores...




II


Ele, autoconsiderado genioso, detestava alho. Achava alho nojento. Prepotente, como (quase?) todo [o] mundo, achava seu des_gosto universal e tinha certeza de que todo mundo tinha que acatar suas preferências. Alho remetia a fatos do passado que preferia não lembrar, ou melhor, tentava esquecer. Freud talvez explicasse. Talvez.

Considerava-se linha dura. Achava que a humanidade era naturalmente má. “Pecado original”. Não tinha jeito. Era sina. Era a sina. Era inerente_mente, ah!, sim! Assim, não acreditava nesse papo de diálogo, entendimento... Com ele a coisa era assim: “escreveu e não leu, o pau comeu”. “Olho por olho, dente por dente”. “In dubio, pau no réu”. “Primeiro eu atiro, depois eu pergunto ou aviso”!

Para ele, a coisa era muito objetiva. A fórmula era bem simples: “cada um no seu quadrado”. Dito noutras palavras: “seu direito vai até onde começa o meu”. E, por várias razões, principalmente porque era muito direito, considerava-se superior aos outros, portanto, tinha direito a ter mais direitos que os outros. Julgava-se até no direito de colocar uma faixa na janela do seu apartamento: “Pelo fim do direito a ter direitos”!

Aquele cheiro de alho, insuportável, começou a infectar seu sacrossanto apartamento. Como podia tanto atrevimento? Considerou aquilo uma invasão de propriedade. Afinal, diz um de seus manda_sacra_mentos: “seu direito vai até onde começa o meu”.

Carregou a 12 e desceu. Decidido. Não aguentaria desaforo. Menos, ainda, invasão da sua propriedade.




III


Chegou no 205. Chutou a porta. Deu a sentença: “seu direito vai até onde começa o meu”.

Ela tentou explicar que era ‘do bem’, que só estava cumprindo o mantramandamento universal: “faça aos outros aquilo que gostaria que os outros fizessem a você”. Tentou explicar que ela estava no direito dela etc. etc. etc.




V


O cheiro de alho foi substituído pelo cheiro de pólvora. A 12 ficou quente e mais leve. Ele também se sentiu mais leve, realizado.

A faxineira hoje teria que usar o hidrante pra limpar o chão.

Alho por olho. Dente por cabeça.