quinta-feira, 2 de março de 2017

krakroa





I

O cara tava fazendo a dele, na moral, há alguns passos de distância:
“Com licença, com respeito, sou flanelinha, morador de rua, desempregado, ninguém quer que eu passe um pano nos carro. Então, se o irmão puder contribuir com uma moeda, será de grande ajuda.”
Afasta-se e aguarda. Recebe o troco e faz uma saudação à oriental: “Muito agradecido. Deus lhe retribua em dobro. Hoje eu to assim, mas espero sair dessa em breve. Fica em paz.”


II

O cara afasta-se e vai em direção a outros chegantes, passantes ou estacionantes. O mesmo ritual. “Com licença...”
De cara fechada... Uns desviam o olhar, na evasiva. Outras estendem o braço, na afastativa. Outros fecham os vidros, na defensiva. Outras preparam a guarda, na ofensiva.
Algumas dizem “nada” terem. Algumas dizem “depois”. Outros, “talvez”. Algoutros dão balas, chicletes ou mesmo uns troco.
Algumas dizem “bom dia”, “boa sorte”, “Deus lhe abençoe”; aproveitam até para folhetar: “Jesus está às portas”.
Uns ou outras, às vezes, esboçam também um rascunho de sorriso, que podem ir de 50 megatons de cinza a 500 amarelotons mais escuros.
“Muito agradecido. Deus lhe...”. E parte pra próxima...


III

Um tipo daqueles “não dirija palavras a minha excelência”, com cara de ojeriza-desespero, percebe que será abordado. Fecha a cara e aperta o passo em direção ao seu carro.
O cara também aperta o passo, com um gérmen de sorriso. Mas, não deu tempo para scriptar: “Com licença, com respeito, ...”
O tipo correu. Deu as costas ao interlocutor. Abriu, entrou e bateu, apressada e fortemente a porta do carro. Porta fechada e vidro filmado: proteção garantida! Só não percebeu que deixara as chaves do lado de fora, na fechadura.
O cara, percebendo o esquecimento, retira as chaves da fechadura e tenta entregá-las, pelo vidro filmado, ao tipo.
Abrir ou não abrir...? Instantes de dúvidas que duraram uma eternidade. Não havia alternativa plausível. Abriu, pegou as chaves rapidamente e bateu a porta, com força e pressa. Afinal, ... vai que...
O cara, na moral, sai na caminhada para abordar outra pessoa. Afinal, ... vai que... Quem sabe... “Com licença, com todo o respeito, estou flanelinha, sou morador de rua, sou desempregado...”

Nenhum comentário:

Postar um comentário