sexta-feira, 12 de agosto de 2016

pimnper

Ela estava cansada, desacorçoada, desiludida, enfim, desacreditada na humanidade da humanidade.

Estava vindo numa tirinha infinita de vários balões. Considerava, com certeza, que fora ludibriada em várias ocasiões nos últimos segundos-luz.

Foi o causo da teletela, foi o causo do esquentadô, foi o causo do sentadô, foi o causo das doações de móveis, foi o causo do putanec, foi o causo do comunicadô, foi o causo de sê credô, foi o causo, foi o causo, foi o causo...

Eram tantos os causos que ela já estava sendo causa de piadas questionáveis de causos de pescadô.

Por essas e outras razões...

Estava fixada na primeira parte do Russo: “... a humanidade é desumana...” e ponto. Não temos nenhuma chance e acabô.

Naquele dia estava ainda mais pra baixo, ainda mais cansada, ainda mais desacorçoada, ainda mais desiludida, ainda mais desacreditada...

Ainda mais que...

Pra ajudar, perdera uns cruzeiros que acabara de sacar no banco. A onça pintada, que há muito está em processo de extinção na natureza, acabara de, literalmente, sumir do bolso de sua bolsa. Ou das calças? vai saber!

Procurou, procurou e não encontrou. Perguntou na segurança. Perguntou na portaria. Perguntou pros cachorros. Perguntou pros pais, pras mães, pras filhas... e... nada! Ninguém sabe, ninguém viu!

“Até parece! Quem, em plena crise financeira mundial, iria devolver uma onça pintada?” Disse um meliante que a acompanhava.

Uma onça não dava pra muita coisa, mas dava pra fazer várias fitas: dois potes de sorvete sabor presente de grego; uma pizza daquelas polegudas; um rodízio em um restaurante tipo japonês...

Se a posse de uma onça não a fazia plenamente feliz, a sua perda, naquele momento, fez com que ela ficasse absolutamente infeliz.

Tinha ou não razão de estar como estava? Agora estava mais que certa! É isso mesmo: “... a humanidade é desumana...” e ponto. Não temos nenhuma chance e acabô.

Já estava fazendo um post hobbesiano no Orkut (a Rodoviária de Tupã é o único ponto da galáxia onde, em pleno 2016, oferece-se serviço de orkutagem), quando alguém a procurou para devolver a onça pintada, ou melhor, a onça perdida. Ou mais melhor, ainda: a onça agora achada e devolvida ao aprisco!

Lembrou-se do Russo: “... a humanidade é desumana...” “... mas, ainda temos chance...” Depois do ocorrido, com certeza temos – deblaterou pra si mesma.

Será que temos, mesmo? Dizia uma voz no seu escutadô direito.

Claro que temos! Dizia uma voz no seu escutadô esquerdo.

Esse fato é só uma exceção que só confirma a regra, dizia a voz no escutadô direito.

Mas, se a regra tem exceção, é sinal de que a tal regra, se é que uma regra seria, não é absoluta - dizia a voz no seu escutadô esquerdo.

Como fizera um treinamento, conseguiu lidar razoavelmente bem com essas vozes, que ficaram a lhe perturbar por dias seguidos. Era a dialética do vai-não vai; do é-não é; do ser-estar; do não está-mas pode ser. Será? 

A onça, minutos após ter sido recapturada, foi-se, esvaiu-se, nada reflexivamente, sumiu-se. Tornou-se uma ex-sua-onça.

Porém, semanas após, umas vozezinhas provocadeiras continuam a lhe instigar:

Por que aquela pessoa desconhecida lhe devolvera a onça?

Por que a personagem principal deste rabisco, que perdera a onça, pensava que a humanidade era naturalmente desumana? De onde vinha essa ideia? Qual era o seu fundamento? Fundamento havia?

E quanto àquelas pessoas que pensavam o inverso, isto é, que a humanidade é inerentemente humana?

Entre Rousseau e Hobbes, ela preferiu ficar com Russo recontextualizado: '... a humanidade está desumana, mas ainda temos chance...'

Humanidade talvez não seja um ser, mas, sim, um estado, que ora pode estar, que ora pode não ser. Essencialmente sem essência.


Mas, o que é humanestar? O que é humanoser? Um eterno humanescer?

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