quinta-feira, 3 de julho de 2014

coisenber

             Era sabido, há tempos, que a situação de uma parcela significativa de estudantes que estavam ingressando no ensino superior apresentava muitas dificuldades na leitura e na escrita, desde correspondência grafema-fonema, passando por dificuldades de pontuação, hipo e hipersegmentação, até dificuldades – quando não impossibilidades – de interpretação de textos, orais ou escritos. Dificuldades é um eufemismo eufêmico para esta situação.
            Aquela sala de um curso de licenciatura era composta majoritariamente por pessoas com dificuldades incomensuráveis de escrita e leitura, o que não é uma exclusividade das licenciaturas. E, para quem não sabe ler, um pingo é só um pingo, isso quando o pingo é percebido. Mas, pode(ria) um pingo ser um i, uma parte do ponto e vírgula, a metade de dois pontos, um ponto ou mesmo um quarto de um i. Afinal, um pingo poderia ser qualquer coisa, até um pingo.
            Aula de alguma disciplina relacionada a políticas educacionais. A professora chega e encontra a sala de aula em pleno alvoroço, polvorosa. Não entendeu nada. O que estaria havendo? Cadeiravoaço? Ocupação? Greve? Briga? Assembleia? Protesto? Treta pendente de outras não vividas?
            Percebeu que o tema em questão era Paulo Freire. A sala toda estava brava com o ‘cavaleiro da esperança’. Queriam exumá-lo para acertar as contas com ele. Por que tudo isso? O que o velho mestre teria feito de errado?
            Criou coragem e entrou na sala. Pediu, aos berros, um minuto de silêncio. E não era em homenagem ao personagem em cena, mas, sim para saber o que estava acontecendo. Nos seus 60 anos de experiência no magistério nunca vira uma sala de licenciatura cometer ofensas, blasfemas heresias em relação ao velho mestre. O que está havendo?
            - Profa, é o seguinte... saca só o que esse mano escreve nesse livro (Professora sim, tia não), ói aqui, profa, vê se pode, esse cara qué morrê, só pode sê. Na moral, nós, reunidas em assembleia, deliberamos que esse livro vai pro index prohibitorum das liças. Quem esse cara pensa que é? Como esse pessoinha ousa dizer ‘professora Cyntia, não’. Nós queremos a professora Cyntia sim e ponto final
           

Inconclusão: Era só uma questão de interpretação.

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