sábado, 26 de julho de 2014

viage

A viatura passa. Os agentes a gente encarando: ‘bandidos’, dizpensam pelo olhar. Passa. Mais a frente: para.

Agentes descem. A gente assiste.

Com os pés abordam pessoas que dormem na calçada sobre papelões, como colchões, sob papelões, como cobertores.

Cidadania de papelão; papelão de cidadania.

Os manos – tidos e tratados como andarilhos, vagabundos, mendigos, pedintes, escória, lumpem, enfim, chagas sociais – não acordam.
Agentes intensificam o uso dos pés. A gente?

Bom, a gente – todas pessoas (auto)consideradas e (auto)apresentadas como ‘pessoas de bem’, que tá do lado do bem, com pitadas de judaísmo, cristianismo, weberianismo, marxismo e outros ingredientes –, a gente, todas comportadas, assistimos a tudo passivamente, com a consciência crítica bem guardada dentro da blindada caixa craniana.

Agentes dizem pra gente: “- Cidadões, isto é para segurança de vocês e deles mesmos!”
A gente foi até promovido! Há pouco fôramos olhados como bãdidos e agora somos chamados de “cidadões”.

A gente, cidadãos civilizados, domestificados, conformados, promovidos a ‘cidadões’, agimos como se estivéssemos num teatro de rua assistindo, pazscifivamente, a uma peça de inspiração káfka de esmagamento de baratas.

Cidadania de papelão, papelão de cidadania: coisa de outra dimenstões: nessa encenação a gente fomos até tratado como ‘cidadões’ pelos agentes.


Domingo, à noite, de barriguinha bem cheia e bem agasalhadinho, irei à cerimônia religiosa e, sem parcimônia, rezorarei por eles, os baratas. Na terceira segunda-feira do mês que vem, à noite, irei à reunião do partido e farei um discurso inflamado contra a pobreza e a violência ativa dos agentes e da violência passiva da gente. Na campanha do agasalho darei umas blusas descartáveis para eles. No natal juntarei umas moedinhas e darei um panetone para eles. Prometo tudo isso para mim mesmo; se eu não cumprir, só eu que ficareistou sabendo [Isso de até lá eu não sou um deles]. O ônibus para, abre a porta; entro com a consciência límpida e tranquila, digo bom dia para a motorista: bola pra frente. Antibrechtianamente: antes eles do que eu. Afinal, baratas sai caro!

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