quinta-feira, 15 de setembro de 2016

veme





I
Seis da matina.
O telefone, ou melhor, o despertador toca.
A mãe, não sem razão, mal humorada, acorda.


II
Foi dormir tarde, atualizando o currículo vitae, conforme recomendado pela TV.
Afinal, há meses procura emprego e não acha.
Só podia ser ela. Ou só poderia ser o currículo. Preferiu este àquela.
Pois, disse o especialista: emprego tem; o que falta é gente qualificada.
Mas, ela tem três graduações, sete pós graduações e um tanto de cursos que já perdeu as contas. O terço também.


III
Acorda e acorda a filha de menos de meia década de vida.
Quanto ao acordar, elas nunca entram em acordo. Nunca acordam, nem com um acórdão.
Ainda menos em tempos frios ou chuvosos.
Como hoje.


IV
A mãe, já há muito tempo sem paciência sequer consigo mesma...
...já chega na violência simbolicamenterreal.
Já não mais chama a sua imagemsemelhante: arranca o cobertor e chuta a cama.
E vai pra cozinha fazer o café. Se ainda tiver.


V
A criança acorda.
Já não mais assusta.
Só, só pensa:
Por que isso tudo?
Por que tudo isso?
Por que sempre isso?
Por que é assim?
Tem que assim ser?
Perguntas que a sua super-heroína, sua mãe...
... não sabe ou insiste em não lhe responder de forma sincera, ainda que relativa.


VI
Entram no carro, que prestes está a pela financiadora ser retomado.
A mãe acende o cigarro e, por uns segundos, ascende um pouco do chão do selfinferno.
Arrepende-se do que faz com a filha.
Faz-lhe um afago na cabeça.


VIII
A filha percebe a deixa e dispara um de 38:
Mãe, por que eu tenho que ir pra escola?
Por que sim.
Mas, pra que eu preciso ir pra escola?
Pra ter um bom futuro, um bom emprego, ser alguém na vida. Pra ter sucesso.


XI
A filha pense, repensa... [ dizer ou não dizer? Eizaquestão!}
Pra ter um bom emprego, pra ter sucesso, tipo quiném  a mamãe?

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