quarta-feira, 5 de setembro de 2018

G8 II




I

Desde aquele momento fatídico, quando era uma neonata-humana-recém-nascida-indefesa e não lhe restara outra opçalternativa, exceto deblaterar, a plenos pulmões, “GRUPO DE OITO, GRUPO DE OITO, GRUPO DE OITO”, a sua vida mudou muito. Muitas pontes passaram por cima das suas águas.


II

Naquele momento, inesquecível, se não traumático, o pai fora mandado, com colete de contenção, a um hospício de segurança máxima nível hiperultramáximo. Foi submetido a um eficaz e ininterrupto tratamento pós-humanizado com uma tropa de choque de elite da velha e boa psiquiatria. Recebia, várias vezes ao dia, todos os dias, choques altamente chocantes nas partes mais sensíveis do corpo, para, nele, pai excessiva e inconvenientemente sensível, despertar novas sensibilidades - e suprimir algumas das antigas. Pela laudavaliação da equipe intermultitransdisciplinar de renomados psiquiatras, ele, se saísse, não sairia tão cedo do hospicial. Era um caso gravíssimo, tão grave que se tornara o mais cobiçado e disputado objeto de pesquisa na instituição. Diagprognósticos...


III

Agora ela estava grandona. Vários anos de unidade de psicoterapia intensiva (e que seus colegas e professores psiquiátricos não saibam disso, nunca!). Ainda tinha uns remorsozinhos hipócritas, afinal, ao grupoitar seu próprio pai, acabou de ‘desestruturar’ sua família, que, desde o início, não era funcional, mas era, aparentemente, uma mal dita “família estruturada”. Vencera os ultragravíssimos traumas da velha infância. Era uma nova pessoa. Vida estabilizada. Cheia de planos, tantos planos, que, para realizá-los seria necessária uma imortal vida eterna ou várias longas vidas.


IV

Estava terminando, com muito louvor, a graduação em Psiquiatria. Criara um santo próprio: São Simão Bacamarte, com direito a altar, preces e demais e ritos religiosos. Estava em preparativos para fazer uma Pós, no exterior!, em pós-psiquiatria. Já estava previamente aprovada. Aguardava, ansiosamente, o envelope com a documentação enviado pela University, que deveria chegar nesse dia, ainda pela manhã. Prazos...


V

A campainha toca. Ela, saltitando, vai, mesmo estando não macpenteada, atender o demandante. Vai imaginando aquele envelope exalando cheiro de vitória, cheio de selos e carimbos do exterior. Nunca, como nesse momento, amara tanto os detestáveis entregadores. Nunca um desses intragáveis foi tão amavelmente esperado. Talvez até o convidasse para tomar um café e para ouvir a exitosa história dela. Talvez ele pudesse contar essa história nas periferias para servir de exemplo para aqueles vulneráveis. Talvezez...


VI

Estava vivendo seu momento "Telegrama": queria beijabraçar até o etê da panificadoria. Com o costumeiro espontâneo sorriso e com uma voz entusiasticamente macia, ambos previamente ensaiados durante o curto trajeto, ela abre a porta e diz: “Benvindo! Você era ansiosamente aguardado! Vamos tomar um café e conversar um pouco! Mas, antes, me dá um abraço forte, por favor, por favor, por favor!”
O interlocutor, com um amável sorriso, dá-lhe, entusiasticamente, um demorado e apertado abraço e diz: “Meu bebê iíndu! Como voxê qesceu! Que oigúio di voxê, minha qianxa! Qantu tempu, meu bebê! Vein atxi cum papá, vein! Quéio moidê voxê, minha gaxinha dxi papá! Qanta xaudade!


FIM





























P.S.

Ela, coerentemente com seus princípios religiosos, internou-se, de forma voluntária, no mais renomado hospicial psiquitátrico de segurança máxima, onde vive num quarto isolado e sem contato algum com pessoa alguma. Recebe, diariamente, várias doses de choques de alta chocagem e drogas fortes. Conseguiu da Corte Internacional de Direitos Humanos o reconhecimento do seu último desejo: o direito de ser mantida em tratamento até que ela morra e também o direito de que sua história não seja escrita, mesmo após sua morte.

Os psiquiatras não sabem explicar o que ocorreu com ela. Acreditam que ela tenha problemas cognitivos associados a problemas de linguagem. Um integrante da equipe transintermultidisciplinar de psiquiatras, que não quer ter sua identidade revelada, acredita que ela tenha sido vítima de abuso sexual na primeira infância ou tenha um problema de fixação anoral, mas ele desacredita que Freud explica. Outro psiquiatra crê, cientificamente, que se trata de um problema decorrente de anos a fio de adição, afinal, ela é jovem, mora sozinha, é universitária e é de “família desestruturada”. Cientificamente, crê, ainda, que ela pode, quando estava sendo gestada, ter sido vítima de tentativa aborto ou, então, ter praticado um recentemente.

Ela passa o dia todo, até quando dormindo está, batendo a cabeça na parede e sussurando palavras desconhecidas, desconexas, sem sentido e inadequadas para a sua idade, para o seu léxico e para o seu nível de desenvolvimento: “Meu bebê iíndu! Como voxê qesceu! Que oigúio di voxê, minha qianxa! Qantu tempu, meu bebê! Vein atxi cum papá, vein! Quéio moidê voxê, minha gaxinha dxi papá! Qanta xaudade!”




Nenhum comentário:

Postar um comentário