sexta-feira, 23 de março de 2012

estranha-me


Tudo começou com o estranhamento, que lhe afetava até as entranhas, que já lhe eram extragñas.
Estranho, passou a estudar o estranhamento. Com h_afinco.
A princípio, em princípio, conceitual e categoricamente, estranhamento lhe era estranho.
Porém, com o tempo, essa estranhice, esse estranhamento foi se esvaindo.
Assim, o estranhamento, de estranho - num primeiro – passou a ser, num segundo momento, familiar e, já num terceiro, passou a ser familial, vicário, visceral, quase vital.
O estranho estranhamento passou a ser entranho.
Desdaí, em tudo, em todos, a todo instante, passara a ver estranhamento que, de conceitual, passou a atitudinal.
Já não via outdoors, televisão, pessoas, cão, mas, sim, estranhos, estranhados, estranhamentos.
Estranhados em-si. Estranhados para-si. Estranhados de per si.
Ao se olhar nu espelho, um estranho no espelho: ex-peliado, um reflexo estranhado—estranhante-estranhável.
Dormir já lhe era estranho. Sonhar, estranhado. Pesadelar, acordar, banhar, sexuar, refeiçoar, andar, falar, falhar, olhar. Até o respirar. Em tudo estava presente o estranhamento.
Tão presente, que parecia inerente.
Até que um dia, à noite, já meio tarde, observando a pedra masculino, descobriu o fetiche do estranhamento.
A partir de então, desestranhou [de] tudo. E tornou-se [ou foi tornado?] um estranhecido.
Tudo terminara com um estranhamento, que lhe afetara até as entranhas.
II
As pessoas passaram a passar pelo estranhecido e a dizerem: sempre estranhei esse estranho!
III
O estranhecido está escrevendo uma autobiografia intitulada “Do estranhamento marxiano ao desentranhamento marciano”. Profere também palestras intituladas “Quem tem medo do (des)estranhamento?”.
IV
Seu próximo empreendimento será um filme, baseado na autobiografia: Extranha-men. Breve nos cinemas.
V
Tendo uma recaída, resolveu ressignificar seu estranho posicionamento diante do estranhamento.
Cansado da guerra de_movimento, mudou-se de_posição na guerra. Montou um exército de um homem só, especializado em operações montaigneosas. Seu brado de guerra: “nada do que é humano me é estranho”.

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