sexta-feira, 11 de novembro de 2011

por causa de mistura


O cara mó cobracriada. Malaco que só. Nunca caíra. Exceto numa fita que o próprio mano de sangue deu a letra. E por causa de um neco a mais de carne. Vê só: por causa de mistura. Literalmente. Nesse dia foi tenso. E denso.

Tava acostumado a levantar motinha 200 na munheca pra jogar na caçamba, pra fazer uns trocos. Levantou o mano pela cinta e ia fazer um baixo-relevo da cara dele na coluna de concreto quando a mãe entrou na frente. Resultado: detonou a mãe.  Traumatismo e tudo mais, enquanto o pilantra sequer ficou com o nariz contundido. Aquilo o abalara. Quando foi socorrer a mãe, os carrascos chegaram e nem deu esquema. Cair dentro da fava é mó vergonha. Batê na mãe por causa de mistura, pior. E foi isso que divulgaram.

Além de tudo, os caras aproveitaram a vaza e tentarem mandar tudo o que tinham direito e, de brinde, “Maria da Penha”, Código do Idoso, ECA. O mais foda era guentar um tentativa de matricídio, tentativa de latromatrocídio. Deu sorte. Deu a volta nos coxinha. Saiu todo detonado. Um dos carrascos devia uma preza. Era a hora de pagar. Os caras ficaram no veneno.

Deic, Depatri, Denarc, Dise, DHPP, DDM; por tudo o que era D e não-D já havia passado. Nem que fosse para levá um sapeca. Mas guentava firme. Nem resmungava. Doía. Mas era menos doloroso que dar o serviço pros sanguinolentos.

A promessa era sempre a mesma. No mesmo tom: ainda iriam pegá ele de jeito. Só não sabia de que jeito. Nunca dava milho. Ia ficar ainda mais ligeiro. Dois no gato, dois no pexe. Dois no padre, dois na missa.

Andaram perguntando por ele. Um vizinho boca-de-alto-falante já havia esparramado no beco. Tinha que ficar atento. Os corres ficariam mais difíceis. Mas, não a ponto de a dificuldade implicar impedimento. Impedimento, só em jogo. E jogo de pó-de-arroz, pois, com a turma, não tinha essa, não. Era jogo duro.

Era cara no muro todo dia, a qualquer hora. A história era sempre a mesma. Tirava de letra. Andaram rodeando a goma.

Não gostava de contar histórias, mas, não sabia como, a história dele começou a circular, o que deixou os cara mais pistola ainda. Tava virando um quase-mito. O cara que não caía e, quando caiu, por guelagem, saíra pela porta da frente. Os mikoso estavam espumando. Queriam ele de qualquer jeito.

A bosta era que, sempre que ouvia esses comentários, vinha à mente a imagem da mãe, toda detonada, e do irmão, pilantra, com um sorriso duplo na cara dupla. Tava injuriado. O sono sumira. Não tava a fim de nada. Mas também não estava a fim de ficar acordado. Nem mesmo de ficar sem fazer nada. Mas também não podia ficar bandeirano.

Ia rolar um samba na Barraca do Gererê. Pelo menos lá era firmeza. Podia ficar de boa, tava em casa. O bom era que lá só ia sangue sangue-bom. E não rolava sangue. Não sem motivo. É que não ia aqueles caras bandeirosos.

Colocou uma camiseta, porque no Gererê era “proibido permanecer sem camisa”. Catou umas moedas pra tomá umas da-mais-barata. “Tempos difíceis”. Mas sempre tinha um camarada pra descer umas. Noutra ocasião, o jogo invertia. E assim ia.

Conferiu o bolso: nenhum artigo, exceto a quadrada. Jogou uma água na cara. Um caximirbuquê na asa pra disfarçar. O maço de T, o maçarico e a chave da goma.

A mãe perguntou se ele tava bem. Mãe é foda. Saca as coisa. Pediu pra ele voltar logo, a tempo de pegar a comida quente. Estava fazendo um rango especial: não sobrava nem pro latinte. Iria esperá-lo.

No caminho da barraca do Gererê, ficava do Bar do Pagaeu. Mas era um but banderoso. Só vacilo. Só treta. Passava batido. Só mandava um salve pros poucos trutos que insistiam em freqüentar aquele ambiente.

Tava movimentado. Muita gente. Som alto. O pessoal dançando. Pra evitar qualquer coisa, mudou de calçada. Aquilo tava cheirando tiro de 22 enferrujado. E cadeiras aladas. “Noite das garrafadas”.

Quando passa bem em frente, de cabeça baixa, uma tilanga atravessa a rua e começa a falar-lhe coisas. Finge que não é com ele. Que não está escutando. Que num ta nem aí. E olha que não é de deixar as coisa dessa maneira. A tilanga insiste.

Não iria entrar em errada. Pelo menos naquela noite, não. Iria na Barraca do Gererê, tomaria umas com os trutages, voltaria pra casa rangar com a véiña, que estava a preparar o rango que mais gostava, que não sobrava nem pro latinte. Iria esfriar a cabeça. Um pouco de paz. Esquecer. Isso era o que precisava. Tentar esquecer aquele dia. E aquele dia também. Não aceitaria provocações. Não até que guentasse. Ninguém é de aço. Mas ia tentar. A tilanga insistia. Foi acompanhando e falando bosta. Muita bosta: Mas tu és feio, hein! Nem aí. Tu és mais feio que bater em mãe! Aí fudeu. O sangue ferveu. Não. Não iria aceitar provocações baratas. Precisava voltar pra casa. Rangar com a mãe. Era o rango que mais gostava, que não sobrava nem pro latinte. Tu és mais feio que bater em mãe... e por causa de mistura!!!!!!!! Aí já era! Pra ela. Oito jaquetadas no meio da não-pensante.

Aí, já era. Pra ele. Mó vacilo. Como não pensara naquilo! Logo ele, “malandro considerado”! Os carrascos já estavam no esquema, a postos. Não houve alternativas. Era os mesmo cara. A só rirem. Na hora em que já estava grampeado, dentro da carrocinha, entendera, ao ver o desgraçado do seu irmão confraternizando com o cabo: o desgraçado, de novo, lhe armara uma só por causa da mistura! Bom, pelo menos dessa vez não batera na mãe.


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